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HISTORIADOR ALERTA SOBRE AVANÇO DA “LGBTFOBIA” NO VALE DO MUCURI

“É preciso que se reconheça a gravidade de postagens em redes sociais com expressões 'lgbtfóbicas'. Publicizações desse gênero não podem ser consideradas como um ponto de vista.”




Em artigo publicado no decorrer da semana que passou em vários veículos de comunicação do nordeste mineiro, o historiador Márcio Achtschin Santos, morador de Teófilo Otoni, professor e PhD em História pela UFMG, faz um alerta sobre o avanço de atos que caracterizam a chamada “LGBTFOBIA” na região.


Veja a íntegra do texto abaixo.




LGBTFOBIA: PRECISAMOS TRATAR URGENTENTEMENTE DESSA QUESTÃO NO VALE DO MUCURI

Em 1934, Godofredo Ferreira escreveu “Os bandeirantes modernos”. Esse livro procurou retratar a história de Teófilo Otoni e região, apontando diversos dados sobre a formação local. Concomitante às suas narrativas, ele fazia algumas observações sobre costumes e acontecimentos do período.

No capítulo intitulado “A cidade de Teófilo Otoni”, ele abre, segundo o próprio Ferreira, um “parêntese” para descrever a seguinte situação que transcrevo do livro:

“Em frente à Rua da Matriz estava o porto aonde as lavadeiras do tempo de minha meninice exerciam seu mister. Entre elas, o que causava enorme escândalo, naquela época de uma moral melindrosíssima, apesar das cicatrizes que, quando em quando, lhe faziam os mesmíssimos cartões que pregavam – era persona gratíssima um lavadeiro, autêntico representante do sexo-feio [grifo nosso]. O Zé de Calu, que, metido entre o mulherio, lhe fazia terrível concorrência – que o sexo gentil parecia suportar satisfeito, aliás, - usurpando uma profissão, primitiva quase ainda agora, ‘Saias’. O Zé de Calu era um latagão forte. Espadaúdo. Um homem! Não sei o que foi feito dele”.

Ferreira descreve situações ainda hoje vivenciadas pela comunidade LGBTQIA+. Ao seu modo, fala de cicatrizes, resultado de uma sociedade que vivia as contradições e conflitos ainda hoje não resolvidos. Certamente, faz referência àqueles chefes de famílias tradicionais que, às escondidas, procuravam saciar o seu desejo com o “sexo-feio”. Por fim, conclui sua narrativa deixando vago o destino de Zé de Calu. Como uma pessoa poderia desaparecer sem dar notícias? Como alguém que chamava tanta a atenção simplesmente sumir?

Segundo a Anistia Internacional, o Brasil é o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo. E nesses dados não estão sendo computadas as mortes identitárias: homens e mulheres que são silenciados e obrigados a submeterem à heteronormatividade monogâmica.

A própria história oficial recusa trazer em suas referências da galeria de grandes heróis os gays e lésbicas que se notabilizaram nacionalmente. Santos Dumont é o maior exemplo dessa negação. Como se não bastante, toda essa trajetória histórica de mortes e apagamentos tem-se hoje o ataque cotidiano da comunidade LGBTQIA+ nas redes sociais. Violência trazida a público em nome do conservadorismo.

Esse é o grande conflito do discurso atual, que se busca conciliar conservadorismo e democracia no Brasil. A democracia carrega como premissa o respeito à individualidade e à diversidade. Se a democracia implica no respeito a todos, consequentemente é atributo de cada cidadão a sua individualidade, qualquer que seja ela.

Nesse sentido, a diversidade é um aspecto indispensável à democracia. Mas, coexistindo com o projeto democrático coroado com a Constituição de 1988, há também atualmente o discurso conservador. Ser conservador significa preservar o que foi construído no passado, assegurar valores considerados necessários à vida em sociedade.

A base desse discurso está em conservar as tradições da família. E quem foi essa família desde os anos de 1500? A violência patriarcalista foi a principal característica dessa tradição. Em nome dessa família, por séculos se casavam homens já maduros com meninas que nem menstruavam. Hoje é crime. Por séculos se matou mulheres pela legítima defesa da honra. Hoje é crime.

Através de muitas lutas, e apesar de muito a se conquistar, já houve avanços em relação a esses direitos. No entanto, ainda que existam leis protetivas consolidadas, grande parte da sociedade brasileira reage diante da liberdade legítima e necessária de gays, lésbicas e trans.

É preciso que se reconheça a gravidade de postagens em redes sociais com expressões lgbtfóbicas. Publicizações desse gênero não podem ser consideradas como um ponto de vista. Não se está exercendo a liberdade de opinião, pois não se justifica a sobreposição desse tipo de direito em detrimento de outros fundamentais, garantidos pela Constituição Federal e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Transcendendo às questões legais, são postagens que, além de estereotipar, reforçam e pactuam com a violência cotidiana contra a comunidade LGBTQIA+. Violência que é física, mas também psicológica e emocional. Essa brutalidade que se comete no Brasil não escapa à realidade na região do Mucuri. Quer seja no sentido simbólico, quer seja em favor da preservação da vida, não podemos mais admitir que Zé de Calu desapareça.

Márcio Achtschin Santos, PhD em História pela UFMG


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